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Ingredientes necessários ao sucesso de uma intervenção

Todos os programas de intervenção eficazes têm cinco pontos em comum que podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia na instrução de crianças com e sem dificuldades de leitura: intervenção focada, reduzido número de participantes, elevada intensidade, método fónico, atividades ativas e estruturadas de leitura.

Pontos-chave de um programa de intervenção eficaz

Do ponto de vista teórico e da investigação fundamental, as dificuldades de leitura são bem compreendidas. A investigação internacional, em que o Reino Unido e os Estados Unidos da América têm tido um papel importante visto terem painéis governamentais de observação, investigação, e regulamentação sobre o tema, identificou cinco fatores-chave para a eficácia do ensino da leitura e o sucesso nesta aprendizagem: 

     1. A consciência fonémica

     2. O treino fónico do princípio alfabético e das correspondências grafema-fonema;

     3. A fluência de leitura;

     4. O vocabulário;

     5. A compreensão oral. 

Existem programas de intervenção delineados especificamente para leitores com dificuldades na aprendizagem da leitura. Mas poucos são aqueles, mesmo a nível internacional, que são padronizados e cujo grau de eficácia é objetivamente conhecido, tendo em conta o rigor e a avaliação independente da própria intervenção. Não é estranho que assim seja porque, para avaliar a eficácia terapêutica deste tipo de intervenções, é importante averiguar quão eficaz é uma intervenção e quão replicável é a sua eficácia. Um dos aspetos fundamentais na avaliação de uma intervenção é a utilização de medidas objetivas de leitura com materiais diferentes (palavras, pseudopalavras, frases, textos) dos adotados durante a intervenção. 

O objetivo fundamental de qualquer programa de intervenção de leitura é que haja transferência das competências aprendidas. Dito de outro modo, pretende-se que as crianças se tornem realmente melhores leitores de qualquer material e não simplesmente melhores leitores do material treinado! Por isso é tão importante que, no ensino da leitura e no treino destas competências, quer em sala de aula, quer em programas de intervenção, não seja usado o material que é usado em testes padronizados de avaliação neuropsicológica da leitura. Numa avaliação objetiva, queremos identificar, o mais próximo possível do real, o nível de leitura das crianças (para qualquer material) e não a sua capacidade de leitura (por repetição) de material treinado. 

Na avaliação da eficácia de um programa de intervenção é importante averiguar se e em que grau um programa é mais vantajoso na promoção de competências de leitura do que a instrução em sala de aula no ensino regular. Nas poucas meta-análises realizadas sobre programas de intervenção e que adotaram critérios rigorosos e objetivos de avaliação de eficácia, identificaram-se cinco condições de sucesso numa intervenção (vide Slavin e colaboradores, 2011, 2018). 

Até 2019 nenhum programa desenvolvido em Portugal cumpre critérios de avaliação de eficácia objetiva e independente, como nos chamados programas de intervenção baseados em evidência. Por isso, não é possível garantir que algum programa de intervenção desenvolvido em Portugal seja efetivamente eficaz. Contudo, sabemos que as estratégias de intervenção usadas com crianças com dificuldades de leitura são também eficazes e úteis para crianças sem dificuldades. Haverá sempre crianças para quem a aprendizagem da leitura é um desafio maior, mesmo quando o ensino da leitura é excelente. No entanto, este número será certamente menor e as dificuldades mais manejáveis se o ensino em sala de aula para todas as crianças usar estratégias de instrução eficazes.

Todos os programas de intervenção eficazes têm cinco pontos em comum que podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia na instrução de crianças com e sem dificuldades de leitura: 

    1. Intervenção focada

A intervenção deve ser motivante, intensiva e focada cuidadosamente nas competências críticas, não perdendo de vista o interesse e a motivação da criança nas atividades propostas, de modo a alcançar as metas da intervenção. Criar oportunidades para que as crianças desfrutem da leitura lança a escada para que processos de autoaprendizagem ocorram - e são fundamentais para a automatização da leitura -, traduzindo-se numa leitura rápida e precisa (fluente) que seja predominantemente realizada através da via lexical (de que falámos aquando da referência aos modelos de desenvolvimento da leitura). Assim, é importante que, desde cedo, se encontrem formas de motivar a criança para atividades de (e relacionadas com) leitura e em que, desde o início, as crianças possam usar as suas (mesmo que incipientes) competências de leitura.

    2. Reduzido número de participantes 

Os programas de um-para-um em regime tutorial com um professor são os mais eficazes. Contudo, quando os recursos económicos são reduzidos, programas bem estruturados com grupos pequenos de menos de cinco crianças são muito eficazes. Os programas de menor eficácia são aqueles com grupos maiores e em que a intervenção é feita por voluntários sem formação especializada.

    3. Elevada intensidade do programa

Os programas mais eficazes são aqueles em que sessões curtas de 20 a 40 minutos decorrem entre três a cinco dias por semana, e durante pelo menos 12 semanas. Quanto mais intenso, continuado e prolongado for o programa, melhores serão os resultados na leitura. O ensino colaborativo em que a intervenção continua dentro da sala de aula (no ensino regular) conduz a um ganho significativo na eficácia da intervenção, embora não elimine a importância da intervenção individual (tutorial de um-para-um). O foco nas estratégias de ensino da leitura usadas em sala de aula com o objetivo de melhorar o desempenho de leitura de todos os alunos (e não só daqueles com dificuldades) é fundamental. Portanto, a intervenção não deve ser um momento agudo e isolado no tempo, mas deve continuar por mais do que um ano escolar.

    4. Método fónico explícito e sistemático

Programas com forte ênfase no ensino fónico (ou seja, ensino do princípio alfabético e das correspondências grafema-fonema), estruturado, sistemático (com construção gradual de competência e conhecimentos, ao mesmo tempo que se dá oportunidade para a interação ativa por parte das crianças), e diretivos revelaram-se os mais eficazes.

    5. Atividades ativas e estruturadas de leitura

Atividades orientadas para o ensino do princípio alfabético e das correspondências grafema-fonema, frequentemente apelidadas de métodos fónicos; ensino do conhecimento de letras e da correspondência grafema-fonema; leitura repetida de livros familiares; leitura em voz alta pela criança; composição e escrita de frases; reconstrução de frases; introdução de novos livros e treino de compreensão do material lido. Estas tarefas devem ser adaptadas ao nível de instrução, mas devem incluir quer leitura, quer escrita, pela criança e com feedback e correção. O tempo e o envolvimento da criança em tarefas de leitura e escrita é um preditor importante desta aprendizagem (Vaughn & Wanzek, 2014). De acordo com a literatura científica recente, sabe-se que a leitura e a escrita se reforçam mutuamente e que a aprendizagem da leitura, quer no plano cognitivo, quer cerebral, ocorre de forma mais eficaz quando acompanhada de atividades de escrita (para uma revisão, ver James, 2017). Desta forma, atividades de leitura e de escrita devem realizar-se no mesmo curso temporal e não ser introduzidas de forma sequencial.

Autoria: Alexandra Reis, Luís Faísca e Tânia Fernandes          Edição: Andreia Lobo

Publicação: 22.setembro.2020

Perguntas Frequentes

Tenho alunos que dão muitos erros na escrita, apesar de lerem bem. Porquê? Que tipo de exercícios posso fazer para os ajudar?

Ao contrário da linguagem oral, leitura e escrita não são atividades espontâneas e inerentes ao ser humano. Mais importante ainda, se, por um lado, leitura e escrita são atividades associadas e que se beneficiam mutuamente, por outro lado, são atividades distintas. É, por isso, possível uma criança ter dificuldades na escrita, não revelando as mesmas dificuldades na leitura. Isto é especialmente observado em línguas cuja ortografia não é transparente, para as quais um grafema não corresponde linearmente a um único fonema e vice-versa, como acontece em Português. Além disso, em português europeu, a mestria da escrita é mais difícil de alcançar do que a mestria da leitura. O conhecimento das regras de correspondência grafema-fonema será suficiente na maioria dos casos para uma leitura correta do português. Contudo, no caso da escrita, é necessário que saibamos qual a constituição ortográfica exata da palavra. Por exemplo, a palavra <MÁXIMO> poderia, desconhecendo-se a sua forma ortográfica, ser escrita como <mássimu>, mas esta não é a representação ortográfica correta. 

Como leitura e escrita não são simplesmente uma cópia visuomotora da linguagem oral, estando sujeitas a constrangimentos diferentes, também a sua correspondência pode ser difícil. Por exemplo, na fala corrente, a palavra <PERIGO> é produzida com a sílaba inicial /pri/. Esta discrepância entre a versão escrita e oralizada da mesma palavra pode dar origem a dificuldades na sua escrita correta, porque, usando as regras de conversão fonema-grafema do português e desconhecendo a forma escrita <prigo>, seria a forma adequada para grafar a palavra oral. É por isso que algumas crianças apresentam dificuldade na escrita de palavras em que a discrepância entre fala e escrita é notória, como acontece também em palavras que contêm <re> e <er> como em <PRESENTE> ou <PERFEITO>.

Tenho um aluno que tem muita dificuldade na escrita de sílabas com per ou pre, isto é, troca sistematicamente uma com a outra. O que posso fazer para ajudar?

Leitura e escrita não são simplesmente uma cópia da linguagem oral. Por exemplo, <PERIGO> e <PRIMO> são, na fala, produzidas da mesma forma, com a sílaba inicial /pri/. Podemos, claro, acentuar o som /ə/ na palavra , mas não é assim que falamos naturalmente! Esta discrepância pode dar origem a dificuldades na leitura ou na escrita correta da primeira palavra ou de palavras em que a ligação entre a forma falada e a forma escrita é ainda mais difícil (e.g., perfeito e presente). A explicitação destes casos, o seu treino sistemático, continuado e repetido são boas estratégias para a criança entender que não se fala como se escreve, que existem regras de correspondência e que a forma escrita de uma palavra é específica e tem de ser aprendida.

A utilização de estratégias de ensino eficazes pode erradicar as dificuldades de aprendizagem da leitura?

Haverá sempre crianças para quem a aprendizagem da leitura é um desafio maior, mesmo quando o ensino da leitura é excelente. Contudo, este número será certamente menor e as dificuldades mais manejáveis se o ensino em sala de aula para todas as crianças usar estratégias de instrução eficazes desde uma fase precoce (ver Métodos fónicos).

O uso do computador ou de apps é eficaz como intervenção nas dificuldades de leitura?

A investigação tem demonstrado que o uso de computadores ou de formas informatizadas de intervenção tem um impacto pequeno na magnitude de eficácia de um programa de intervenção de leitura (Cheung & Slavin, 2013). Contudo, existe alguma evidência do uso destas tecnologias em intervenções com crianças com dificuldades de leitura ser mais eficaz entre o 1.º e o 3.º ano, especialmente quando o programa é muito intenso com tempo superior a 1h15m por semana, realizado em conjunto com intervenções tradicionais, por exemplo, com professores e em pequenos grupos, e com ênfase em atividades de treino fonémico. O que determina a eficácia de um treino informatizado dirigido a crianças com dificuldades de leitura é a natureza do treino (em que competências incide), o papel do professor, e a natureza, qualidade, e intensidade da intervenção convencional com que é combinado.

Recursos

LEITURAS SUGERIDAS

Slavin, R. E., Lake, C., Davis, S., & Madden, N. A. (2011). Effective programs for struggling readers: A best-evidence synthesis. Educational Research Review, 6(1), 1-26. doi: 10.1016/j.edurev.2010.07.002

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