A compreensão da leitura é, em simultâneo, um objetivo de aprendizagem e um meio de aceder ao conhecimento. Assim sendo, tem um forte impacto não só no sucesso escolar, mas também noutras esferas da vida dos sujeitos.
1. Compreensão da leitura
A compreensão da leitura pode ser conceptualizada como a extração e construção do sentido de um texto, operacionalizada através de uma representação mental coerente do mesmo, e que integra a informação veiculada pelo texto com a informação já possuída pelo leitor.
A compreensão da leitura integra vários níveis, que possuem exigências distintas e que convocam processos também distintos. Do ponto de vista didático, é consensual a consideração de quatro níveis de compreensão:
1. A compreensão literal, que requer a identificação da informação que se encontra de forma explícita no texto;
2. A compreensão inferencial, que requer a realização de raciocínios dedutivos ou indutivos a partir de informação disponível no texto, podendo, em muitos casos, exigir a ativação de conhecimentos prévios (extratextuais);
3. A reorganização da informação, que requer, à semelhança da compreensão inferencial, raciocínios dedutivos e/ou indutivos, bem como a ativação de conhecimentos prévios. A principal diferença é que envolve a síntese da informação. Está presente em tarefas como elaborar esquemas, tabelas ou resumos;
4. A compreensão crítica, que requer que o leitor se posicione em relação ao texto, através da emissão de juízos.
2. A importância da compreensão da leitura e do seu ensino explícito
Na sociedade atual, em que toda a informação está ao alcance de um clic, a compreensão da leitura é, cada vez mais, uma exigência para a inserção social dos indivíduos e para o exercício pleno da cidadania. A facilidade de acesso à informação exige “leitores críticos”. Para tal, é imprescindível que o leitor seja um “bom compreendedor”. A investigação aponta para a necessidade de ensinar explicitamente a compreender. Sem este ensino explícito, muitos alunos não atingirão níveis aceitáveis de compreensão do que leem. Localizar informação específica e relevante, excluindo o que é acessório, é muito importante e deve ser trabalhado sistematicamente.
A hipervalorização das tarefas que remetem para o processamento da informação explícita nos textos pode contribuir para desenvolver, nos alunos, perceções de autoeficácia. Não é, no entanto, o caminho mais eficaz para ensinar a compreender. Em primeiro lugar, porque as dificuldades encontradas pelos alunos podem ser devidas a múltiplas variáveis ligadas não só ao leitor, mas também ao texto. Em segundo lugar, não é pela supressão da dificuldade que se consegue que os alunos passem a ser capazes de reorganizar a informação, efetuar inferências ou emitir juízos sobre o que leem.
O caminho a traçar inclui criar situações que desafiem o aluno a pensar, que se situem além do que ele já consegue fazer sem dificuldades, proporcionando, em simultâneo, o apoio necessário para que aprenda a construir estratégias cognitivas e metacognitivas que lhe permitam lidar com os desafios que lhe são propostos. Importa ter sempre presente que ensinar a compreender é ensinar a pensar. Mesmo textos simples podem permitir a formulação de perguntas de nível inferencial. (ver Exemplo 1 e Exemplo 2)
O ensino da compreensão requer, também, a consideração de diferentes momentos: antes, durante e depois da leitura.
É imprescindível ainda o papel dos professores, no sentido de modelar estratégias, modelar o pensamento e proporcionar “andaimes” que apoiem os alunos até estes alcançarem o nível de proficiência em compreensão da leitura. Este é um processo que se inicia na educação pré-escolar e se prolonga por toda a escolaridade.
3. A ciência mostra
O ensino explícito da compreensão da leitura aponta para a necessidade de:
a) contemplar todos os níveis de compreensão, o que implica o recurso a tarefas que promovam não só a compreensão literal, mas também a compreensão inferencial, a compreensão crítica e a reorganização de informação;
b) usar estratégias diferenciadas em função do momento de leitura (ver Exemplo 3, Exemplo 4 e Exemplo 5). A ênfase em determinado momento, em detrimento de outro, depende do tipo e do género de texto a ler.
Assim, há estratégias que, se utilizadas antes da leitura, ajudam, por exemplo, a definir objetivos de leitura ou a ativar conhecimentos prévios. Os leitores proficientes, quando “olham para um texto”, identificam o tipo de texto, geram expectativas sobre o que vão ler, antecipam conhecimentos prévios a convocar e eventuais exigências colocadas pelo texto. Tudo isto é efetuado de modo quase automático, revelando que a leitura, mesmo na ausência de orientação do professor, é já orientada. Este é o perfil que se deseja para todos os alunos. Os alunos que não se enquadram neste perfil precisam de ser ensinados a adotar uma abordagem ativa à leitura. É neste âmbito que o momento “antes da leitura” ganha uma importância acrescida. Por esta razão, é importante, neste momento, criar oportunidades de diálogo entre professores e alunos, centradas em aspetos como:
1. Quais os conhecimentos de que os alunos dispõem relacionados com os conteúdos e a estrutura do texto?
2. De que informação precisam?
3. Como podem encontrar a informação de que precisam?
Da parte do professor, este trabalho implica “pensar em voz alta” sobre o modo como ele próprio inicia a leitura de um texto. Esta modelagem cognitiva tem um papel importante no ensino. O momento antes da leitura é também importante do ponto de vista motivacional, uma vez que pode espoletar o desejo de ler e/ou dirigir a atenção para aspetos específicos do texto. (ver Exemplo 3)
O momento seguinte – durante a leitura – é, frequentemente, negligenciado. A investigação sugere o recurso a eventuais paragens ou interrupções ao longo do texto, nas quais o aluno é convidado a interrogar o próprio texto. Um dos problemas desta abordagem é que pode dificultar a apreensão do sentido global do texto e interferir na apreciação do mesmo. Assim, numa abordagem conciliadora, sugere-se uma primeira leitura sem interrupções, seguida de uma releitura de aprofundamento. Trata-se de um momento decisivo para: i) a identificação da informação relevante e acessória; ii) a realização de inferências; iii) a efetuação de juízos críticos sobre o que é lido e; iv) a integração da informação veiculada pelo texto nos conhecimentos prévios do leitor. É, igualmente, um momento-chave para a autoavaliação da compreensão e para a regulação da mesma. (ver Exemplo 4)
O último momento – após a leitura – é o mais explorado. No geral, espera-se que, após a leitura, o aluno seja capaz de responder a perguntas sobre o texto, cujas respostas, se corretas, serão reveladoras de que o texto foi compreendido. Além de limitada, esta assunção é falaciosa. À semelhança dos momentos anteriores, é necessário ter presente que o ensino da compreensão é o ensino de processos, razão pela qual este é um momento privilegiado para convidar os alunos a explicar como chegaram à construção das suas respostas – corretas ou incorretas –, quais as dificuldades que encontraram, como lidaram e como poderiam ter lidado com as mesmas. (ver Exemplo 5). Outro dos equívocos associados à compreensão da leitura assenta no pressuposto de que o modelo pergunta-resposta garante que o aluno evolui no sentido de alcançar níveis superiores de compreensão. A ser verdade, e uma vez que o processo de ensino assenta largamente neste modelo, os alunos deveriam apresentar capacidades elevadas de compreensão. Os resultados de estudos internacionais mostram, de forma clara, que a percentagem de alunos que consegue atingir níveis superiores de literacia em leitura é baixa.
Autoria: Fernanda Leopoldina Viana e Iolanda Ribeiro Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
Não. Tratando-se de perguntas que implicam a localização de informação explícita no texto – as mais utilizadas nos primeiros anos de escolaridade – o aluno poderá conseguir responder corretamente às mesmas, mas tal não significa que compreenda essa mesma informação e/ou que seja capaz de identificar os aspetos-chave do texto. Se as perguntas não abarcarem todos os níveis de compreensão e os diferentes momentos de leitura (antes-durante-depois) e se não apoiarem a explicitação dos processos linguísticos e cognitivos a convocar, serão uma estratégia de ensino manifestamente insuficiente. A compreensão é um processo complexo, por isso, o foco exclusivo num único fator raramente será suficiente para que ocorram mudanças significativas na compreensão da leitura.
O ensino explícito da compreensão da leitura requer a elaboração de tarefas que contemplem diferentes níveis de compreensão e que, em simultâneo, guiem o leitor na reflexão sobre o trabalho cognitivo (e linguístico) que lhe está ser exigido. Necessita de uma variedade de géneros e tipos de textos e uma escolha muito criteriosa dos mesmos. Eles vão ser, a par do professor, uma das pedras angulares para o ensino da compreensão da leitura. No contexto de ensino inicial da leitura, os textos narrativos – essencialmente contos, lendas e fábulas – são os mais utilizados, em detrimento de textos expositivos, esperando-se, do leitor, uma generalização de estratégias. No entanto, há diferenças significativas entre os dois tipos de texto ao nível dos objetivos. Essas diferenças conduzem a estruturas distintas e que colocam também exigências distintas ao leitor.
A explicação reside nas diferenças substanciais ao nível da estrutura, do vocabulário utilizado e dos conhecimentos prévios requeridos. As crianças contactam, desde muito cedo, com a estrutura-tipo dos textos narrativos (introdução, desenvolvimento e resolução), o que não acontece com os textos expositivos. O contacto precoce, a par do facto de a estrutura dos textos narrativos ser relativamente previsível, facilita a compreensão das ideias principais. A estrutura dos textos expositivos é muito mais imprevisível, podendo assumir, entre outras, a forma de descrição, de comparação e de contraste. O vocabulário é, geralmente, mais técnico e/ou científico, pelo que o seu significado, se desconhecido, é mais difícil de inferir através de pistas contextuais. Além disso, os textos expositivos exigem conhecimentos prévios sobre os conteúdos abordados, sem os quais poderá não será possível processar a informação nele inserta. A investigação mostra que a utilização dos dois tipos de textos é importante no ensino explícito da compreensão da leitura.
Giasson, J. (2000). A compreensão na leitura. Porto: Edições ASA.
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Viana, F. L. (2009). Construção de significado. In F. V. Viana, O ensino da leitura: A avaliação (pp. 22-39). Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC. https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/ensino_leitura_avaliacao.pdf
Viana, F. L., Ribeiro, I. S., Fernandes, I., Ferreira, A., Leitão, C., Gomes, S., Mendonça, S., & Pereira, L. (2010). O ensino da compreensão leitora. Da teoria à prática pedagógica. Coimbra: Almedina. http://hdl.handle.net/1822/11219
Viana, F. L., Ribeiro, I., Santos, S. & Cadime, I. (2019). Ensinar a compreender: Perspectivas e propostas. In S. R. K. Guimarães e F. Vidigal de Paula (Orgs.), Compreensão da leitura. Processos cognitivos e estratégias de ensino (Vol. 2, pp. 175-196). S. Paulo: Vetor Editora. http://hdl.handle.net/1822/62635
Leitores fluentes são capazes de identificar as palavras de forma precisa e automática. Libertam, assim, recursos cognitivos para a compreensão da leitura. Por essa razão, a fluência de leitura tem de ser sistematicamente trabalhada em contexto de sala de aula.
Existe consenso generalizado acerca da natureza complexa da compreensão da leitura. Sabemos que é influenciada pelas capacidades linguísticas e cognitivas do leitor e pelos processos que mobiliza enquanto lê. Mas é também condicionada pelas características do material a ler – conteúdo, género e tipo de texto – e por outros fatores contextuais, como, por exemplo, as condições físicas em que a leitura decorre.
A compreensão da leitura exige a capacidade de o leitor monitorizar o que compreende e o que não compreende enquanto lê. Esta capacidade requer a ativação de estratégias de leitura e de autorregulação. Os dados da investigação mostram, de modo inequívoco, o seu impacto positivo na compreensão.