A compreensão da leitura exige a capacidade de o leitor monitorizar o que compreende e o que não compreende enquanto lê. Esta capacidade requer a ativação de estratégias de leitura e de autorregulação. Os dados da investigação mostram, de modo inequívoco, o seu impacto positivo na compreensão.
1. A autorregulação da compreensão durante a leitura: metacognição e metacompreensão
Os termos metacognição e metacompreensão são frequentemente usados de modo indistinto. Remetem para conceitos próximos, mas com alguma especificidade. De um ponto de vista histórico, a designação de metacognição precedeu a de metacompreensão e referia-se ao conhecimento que o sujeito tem sobre os seus processos cognitivos, incluindo a capacidade de os monitorizar e regular, tendo em vista lidar com as exigências de uma tarefa.
A metacognição aplica-se a uma diversidade de tarefas, enquanto a metacompreensão se refere especificamente à leitura. Durante a leitura é necessário que o leitor se autoavalie, a fim de identificar o seu grau de compreensão, e que mobilize as estratégias apropriadas quando perde a compreensão, i.e., que autorregule a compreensão durante a leitura. As estratégias de leitura referem-se às ferramentas cognitivas que os leitores utilizam durante a leitura, de um modo deliberado, seletivo e flexível, para assegurar a compreensão. Os leitores podem não dispor de estratégias de leitura apropriadas e/ou de metacompreensão.
2. A importância da autorregulação para a compreensão da leitura
Os leitores proficientes distinguem-se dos não proficientes ao nível da metacompreensão e das estratégias de leitura que conhecem e que são capazes de mobilizar. Os leitores proficientes não só compreendem, como têm consciência de, eventualmente, não estarem a compreender. Nestas circunstâncias, são capazes de mobilizar e/ou de procurar estratégias que lhes permitem lidar com os problemas de compreensão com que se confrontam. Os leitores proficientes adquiriram um conjunto de habilidades que permitem que todos os processos – básicos e de ordem superior – necessários à compreensão funcionem em conjunto, de maneira rápida, sem esforço e de modo relativamente automático. Este funcionamento ocorre sem que seja necessário que tenham total consciência de que os mesmos estão a ser usados.
Os leitores não proficientes, em contrapartida, têm dificuldade em perceber quando perdem “o sentido do que que estão a ler” e não dispõem, ou não são capazes de mobilizar, as estratégias de leitura apropriadas. Caracterizam-se pela adoção de uma abordagem “passiva” durante a leitura de textos.
3. A ciência mostra
A capacidade para monitorizar a compreensão varia ao longo da escolaridade e em função do nível de proficiência em leitura. Atualmente é consensual a ideia de que as estratégias de leitura e de metacompreensão evoluem ao longo da escolaridade.
Nos anos iniciais de aprendizagem da leitura os alunos têm, no geral, dificuldades em identificar inconsistências, mesmo quando são alertados para as mesmas, e em perceber que não estão a compreender o que estão a ler. Um padrão semelhante é encontrado nos leitores menos proficientes em todos os anos de escolaridade. Estes usam de modo ineficiente as estratégias de leitura necessárias e têm mais dificuldades em monitorizar a compreensão. Ignoram ou “saltam” palavras e/ou expressões que não conhecem – independentemente de serem ou não determinantes para a compreensão – e não mobilizam estratégias para lidar com os problemas de vocabulário.
Quando questionados sobre o uso de estratégias de leitura, os alunos que se autoavaliam como proficientes na compreensão da leitura têm a noção de que as usam. O oposto é relatado pelos alunos que se autoavaliam como tendo um nível de proficiência médio ou inferior. Por sua vez, os alunos mais jovens, embora sejam capazes de distinguir entre vários tipos de estratégias de leitura, têm dificuldade em usar as mesmas de forma adequada e em identificar em que condições elas devem serem aplicadas.
Durante a leitura de um texto é necessário que o leitor monitorize com precisão o grau de compreensão que está a atingir. Este processo, designado acuidade ou precisão na monitorização, é considerado uma dimensão central da metacompreensão, uma vez que os julgamentos que os leitores fazem acerca da sua compreensão influenciam os comportamentos subsequentes, nomeadamente no aumento ou na redução no envolvimento e no esforço a despender para compreender um texto.
Autoria: Fernanda Leopoldina Viana e Iolanda Ribeiro Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
A metacompreensão é considerada essencial para a compreensão da leitura, uma vez que permite a regulação da compreensão. Esta regulação traduz-se em aspetos diversos, tais como a planificação da leitura em função dos objetivos da mesma, a sua monitorização, a avaliação das informações (conhecimentos prévios) de que o leitor dispõe e o modo como usa esse conhecimento para compreender o que está a ler. Acresce ainda que a monitorização permite ao leitor identificar inconsistências no texto lido, bem como perceber que não está a compreender o que está a ler. A capacidade de autoavaliar a compreensão do que se lê é crucial para a aprendizagem em todos os domínios de conhecimento e ao longo do ciclo de vida.
O ensino recíproco visa o ensino de estratégias adotando os princípios da aprendizagem cooperativa. Implica uma organização da turma em pequeno grupo. Os alunos leem um texto que, de seguida, é alvo de discussão. Nesta discussão são ensinadas e/ou modeladas estratégias de leitura de forma explícita. Cabe ao professor:
a) orientar a análise do texto;
b) mostrar aos alunos que estratégias devem usar (quais e quando);
c) modelar a sua utilização;
d) dar feedback;
e) apoiar os alunos quando necessário.
São quatro as estratégias cujo treino é sugerido:
1. Questionar: convidar os alunos a efetuarem perguntas sobre um parágrafo, a fim de facilitar a identificação da informação mais importante, a localização das ideias principais e a monitorização da compreensão;
2. Esclarecer: identificar e fazer pausas em palavras e/ou frases difíceis de compreender;
3. Resumir: sintetizar as ideias principais de um período, parágrafo ou excerto;
4. Prever: efetuar previsões sobre o conteúdo do texto que ainda falta ler.
De modo recorrente, a investigação tem mostrado o efeito positivo da intervenção nas estratégias de leitura e na metacompreensão. Porém, a compreensão da leitura é um processo complexo, pelo que, ao analisar os efeitos da intervenção num dos fatores, é sempre necessário ponderar a sua interação com os outros. Quando, por exemplo, os alunos dispõem de conhecimentos gerais reduzidos sobre a estrutura dos textos e/ou sobre conteúdos, problemas na fluência de leitura e perceções débeis de autoeficácia, os efeitos do treino de estratégias podem ser limitados.
É reconhecido que o ensino explícito de estratégias de leitura e de metacompreensão é complexo, exigindo formação específica. Por um lado, a formação dos professores é, neste âmbito, bastante limitada, à qual acresce o facto de tarefas com estes objetivos estarem praticamente ausentes nos manuais de Português do 1.º ciclo do ensino básico. Por outro lado, exige que os alunos sejam capazes de pensar sobre o pensamento e de comunicar oralmente o que estão a pensar. Muitos alunos têm dificuldades de expressão oral, pelo que estas limitam a sua capacidade de explicar o modo como compreenderam, como descobriram que não estavam a compreender e que estratégias utilizaram para lidar com as dificuldades de compreensão que encontraram.
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Leitores fluentes são capazes de identificar as palavras de forma precisa e automática. Libertam, assim, recursos cognitivos para a compreensão da leitura. Por essa razão, a fluência de leitura tem de ser sistematicamente trabalhada em contexto de sala de aula.
Existe consenso generalizado acerca da natureza complexa da compreensão da leitura. Sabemos que é influenciada pelas capacidades linguísticas e cognitivas do leitor e pelos processos que mobiliza enquanto lê. Mas é também condicionada pelas características do material a ler – conteúdo, género e tipo de texto – e por outros fatores contextuais, como, por exemplo, as condições físicas em que a leitura decorre.