Aprender A Ciência Mostra

Ler fluentemente é indispensável à compreensão da leitura

Leitores fluentes são capazes de identificar as palavras de forma precisa e automática. Libertam, assim, recursos cognitivos para a compreensão da leitura. Por essa razão, a fluência de leitura tem de ser sistematicamente trabalhada em contexto de sala de aula.

1. Fluência de leitura

A fluência de leitura de textos refere-se à capacidade de ler um texto de forma precisa e com velocidade e expressividade adequadas. Distingue-se da fluência de leitura de palavras pelo facto de, nesta, as palavras serem apresentadas de forma isolada ou em formato de lista, não existindo qualquer relação entre elas.


2. A importância da fluência de leitura para a compreensão da leitura

A compreensão da leitura é um processo complexo. Requer a ativação de processos considerados básicos, como a identificação de letras e o reconhecimento de palavras, e de processos de ordem superior, como a realização de inferências. A fluência de leitura integra-se nos processos considerados básicos.

A importância da fluência de leitura para a compreensão da leitura pode ser mais bem compreendida tomando como referencial teórico o Modelo Simples de Leitura na fase da sua aprendizagem.

Originalmente, este modelo recorreu à equação matemática R = D x L em que R = Reading, D = Decoding e L = Language (Hoover & Gough, 1990) para traduzir a relação entre a leitura, a decodificação e a compreensão linguística. O modelo é particularmente útil para analisar o efeito da decodificação e da compreensão da linguagem oral na compreensão da leitura: dificuldades numa e/ou nas duas competências vão originar dificuldades de compreensão da leitura

A decodificação é condição necessária, embora não suficiente, para a compreensão da leitura. Desenvolvimentos posteriores do modelo R = D x L propõem a substituição da Decodificação (D) pela Fluência de leitura (F). Tal é particularmente importante para línguas de ortografia relativamente transparentes na leitura, como o Português, uma vez que a aplicação das regras de conversão grafema-fonema permite ler a esmagadora maioria das palavras. Todavia, se este processo for hesitante e moroso, isto é, não automático, sobrecarrega a memória de trabalho e perturba a extração de sentido. Assim, um leitor que não consiga ler de modo fluente terá a compreensão comprometida. A investigação demonstra o impacto da fluência de leitura na compreensão da leitura, evidenciando que é preciso treinar de modo sistemático a primeira. 


3. A ciência mostra

A definição de fluência de leitura contempla três dimensões: precisão, velocidade e expressividade. No entanto, num número muito elevado de estudos apenas são consideradas as duas primeiras. Ou seja: a fluência de leitura é avaliada através do cálculo do número de palavras lidas corretamente por minuto. Os recursos cognitivos e atencionais do leitor são limitados. Se o leitor não conseguir ler sem esforço, estes recursos terão de ser alocados ao processo de decodificação, comprometendo a capacidade de os usar para extrair e construir significados na interação com o texto, isto é, para o compreender. 

Pelo contrário, se a leitura for efetuada de modo automático, sem esforço, os recursos atencionais e cognitivos podem ser alocados à compreensão. Esta relação de cariz competitivo explica, em parte, o facto de alguns alunos apresentarem dificuldade em compreender um texto quando a leitura é efetuada por eles, mas não as apresentarem quando esse mesmo texto é ouvido. Esta diferença é explicada pela eliminação do fator que causa a perturbação: os problemas na fluência de leitura. Alguns países definem números mínimos de palavras por minuto considerados necessários para a extração de sentido para os diferentes anos de escolaridade, e em função da maior ou menor regularidade da língua. A ênfase nos anos iniciais de escolaridade justifica-se porque a influência da fluência de leitura na compreensão da leitura não é igual nos diferentes anos de escolaridade. O seu efeito é maior nos anos iniciais de escolaridade, reduzindo-se progressivamente ao longo dos anos seguintes, quando o leitor é já considerado proficiente. Em contrapartida, verifica-se um aumento da importância do conhecimento linguístico, bem como das estratégias de leitura e da metacompreensão. 

A investigação revelou um dado importante relativamente aos efeitos, a médio prazo, de os alunos não atingirem o nível de leitura considerado fluente nos anos iniciais da sua aprendizagem. As dificuldades tendem a acentuar-se nos anos seguintes, comprometendo, de forma dramática, a capacidade para compreender o texto escrito.

A relação entre fluência de leitura e compreensão da leitura é, frequentemente, vista como de natureza causal. Mas só pode ser assim considerada numa fase inicial da aprendizagem. Na realidade trata-se, antes, de uma relação bidirecional. Num mesmo período de tempo, o aluno que lê de forma fluente terá uma maior probabilidade de ter muito mais prática de leitura do que um aluno que lê com esforço. Quem lê melhor, lê mais. Deste modo, aumenta:

    a) a probabilidade de desenvolver a sua competência para extrair e construir significados na interação com os textos;
    b) a probabilidade de, ao expandir o desenvolvimento lexical, expandir também o conhecimento do mundo e o desenvolvimento de estratégias cognitivas e metacognitivas

Por sua vez, a compreensão da leitura é fundamental para a leitura expressiva do texto. Ler com expressividade exige que o leitor interprete o texto à medida que lê. A simultaneidade destes processos permite uma leitura por unidades de sentido, bem com a adequação do volume, da entoação e das pausas ao conteúdo do texto.

Autoria: Fernanda Leopoldina Viana e Iolanda Ribeiro          Edição: Andreia Lobo

Publicação: 22.setembro.2020

Recomendações

Perguntas Frequentes

A leitura automática de palavras é suficiente para assegurar a fluência de leitura?

A fluência da leitura de palavras apresentadas de forma isolada é uma condição necessária, mas não suficiente, para a fluência de leitura. Esta requer que o leitor efetue uma leitura por unidades de sentido. A pontuação, mas também a compreensão, que ocorre enquanto o leitor lê é essencial para uma leitura expressiva.

Um aluno pode conseguir ler com precisão e velocidade cada uma das palavras de um texto, como se as mesmas não tivessem qualquer relação entre elas. Embora possa, eventualmente, cumprir os requisitos de velocidade e de precisão, só por si, esta leitura dificilmente permite compreender o texto lido.

O número mínimo de palavras que um aluno deve ler por minuto é independente dos objetivos da leitura?

Não. A velocidade com que um aluno lê um texto tem de ter em consideração os objetivos da leitura. Exemplo: a leitura de um texto expositivo, cuja finalidade principal seja identificar informação relevante para um determinado conteúdo, poderá implicar um ritmo mais lento, de modo a sistematizar os conteúdos e/ou a cotejar a informação nova com os conhecimentos prévios.

A intervenção na fluência de leitura conduz a melhorias na compreensão da leitura?

Os programas de intervenção na fluência de leitura são eficazes no sentido em que os alunos conseguem apresentar incrementos significativos no número de palavras que conseguem ler corretamente por minuto. Contudo, os resultados da investigação não são consensuais no que concerne ao efeito da intervenção na fluência de leitura na melhoria da compreensão da leitura.  Por isso, é necessário ter em consideração que a compreensão envolve múltiplos processos e não apenas a fluência de leitura. Se as dificuldades experimentadas pelo aluno forem exclusivamente ao nível da fluência de leitura, é expectável que uma intervenção neste âmbito seja eficaz e conduza a uma melhoria na compreensão da leitura. Porém, se o aluno apresentar, igualmente, problemas nos outros processos associados à compreensão da leitura, as repercussões ao nível da compreensão da leitura serão limitadas.

LEITURAS SUGERIDAS

Borges, M. & Viana, F. L. (2020, no prelo). Ouvintes sortudos. Um programa de promoção da fluência em leitura para o 2.º ano de escolaridade. Lisboa: Ministério da Educação/DGE.

Fernandes, I., & Ribeiro, I. (2015). Padrinhos de leitura. Um projeto de tutoria para a promoção da fluência em leitura. In F. L. Viana, I. Ribeiro, & A. Baptista (Eds.), Ler para ser. Os caminhos antes, durante e… depois de aprender a ler (pp. 207–236). Coimbra: Almedina.

Ferreira, A., Ribeiro, I., & Viana, F. L. (2012). Avaliação de um programa de intervenção na fluência leitora. Revista Iberoamericana de Educación, 59(4), 1–13. Disponível em: http://hdl.handle.net/1822/20533

Hoover, W. A., & Gough, P. B. (1990). The simple riew of reading. Reading and Writing, 2, 127-160.

Ribeiro, I., Viana, F. L., Baptista, A., Choupina, C., Santos, S., Brandão, S., Rodrigues, B. (2016). Ainda estou a aprender. Braga: Lusoinfo Multimédia. Disponível em: https://aindaestouaprender.com/

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