Parece haver vantagens em tornar o processo de escrita mais consciente, intencional e autorregulado pelos alunos. Que processos cognitivos estão implicados na escrita? Como podem ser trabalhados na sala de aula? Apresentamos um modelo de ensino da escrita que se tem mostrado muito eficaz e que prevê procedimentos de autorregulação e estratégias de escrita.
1. Planeamento, textualização e revisão do texto escrito
Escrever um texto é provavelmente uma das tarefas cognitivamente mais complexas que uma criança pode tentar realizar. Essa complexidade deve-se ao grande número de processos cognitivos implicados na escrita. Embora tenham sido propostos vários modelos cognitivos da escrita, a investigação na área e também o ensino da escrita de textos foram indelevelmente marcados pelo modelo de Hayes e Flower. O modelo identificou três grandes processos cognitivos que recorrem entre si, sem uma ordem pré-definida, durante a escrita de um texto. São eles: o planeamento, a textualização e a revisão.
Cada um destes processos é constituído por vários subprocessos. Um escritor que procura ideias para escrever, que estabelece objetivos, que faz um outline, está a planear. Um escritor que procura a palavra ou a frase certa para melhor expressar uma ideia, que transcreve o texto, está a textualizar. Um escritor que relê um texto para o avaliar, para lhe introduzir modificações, que procura melhorar uma primeira versão do texto, está a rever. Ainda que estes processos possam pedagogicamente ser separados em atividades distintas de planeamento, textualização ou de revisão, é inevitável que durante a escrita de um texto eles tendam a surgir e a recorrer entre si.
2. A importância do ensino de estratégias apropriadas ao planeamento, textualização e revisão do texto escrito
Não há dúvidas de que boas competências de planeamento, textualização e revisão do escritor contribuem para a escrita de bons textos. A dificuldade, nas crianças, parece estar em tomar consciência deles, desenvolvê-los, intencionar o seu uso e, sobretudo, em utilizá-los antes, durante e após a escrita do texto. Um grande conjunto de fatores explicam estas dificuldades.
Analisemos dois desafios que, se superados, contribuirão fortemente para melhorar a escrita de textos. O primeiro desafio consiste na automatização de alguns processos ditos básicos na escrita. Os mais evidentes talvez sejam o conhecimento ortográfico e a caligrafia. Se a criança não tiver de pensar para recuperar a ortografia correta das palavras e se for capaz de as escrever à mão rapidamente, a atenção que não gasta nesses processos pode ser utilizada para pensar noutros processos ditos de alto nível, como o planeamento e a revisão. O segundo desafio é o da autorregulação do próprio escritor, dos comportamentos de escrita e dos ambientes em que a escrita pode ocorrer. Para cada uma destas dimensões de autorregulação podem treinar-se estratégias específicas, que facilitarão a escrita de melhores textos.
3. A ciência mostra
A investigação tem demonstrado que é vantajoso dividir a complexidade da escrita nos seus múltiplos constituintes e treinar cada um deles de forma específica. Desde logo, para melhorar a competência isoladamente, mas também para melhorar a escrita de textos, garantindo necessariamente condições de generalização. Faz, por isso, sentido que planeamento, textualização e revisão sejam promovidos em atividades próprias, mas não desligadas do contexto de escrita de textos. A investigação tem amplamente demonstrado que bons planos, bom domínio da linguagem e boas estratégias de revisão levam à escrita de melhores textos.
No treino dessas competências, os professores devem ter presente o que é prioritário na promoção da escrita e qual é o trajeto desenvolvimental típico dos processos cognitivos da escrita. Por um lado, a automatização deve ser prioritária face à autorregulação. Uma boa automatização vai facilitar a autorregulação. Por outro lado, como evidenciado por Virginia Berninger, a ordem de emergência dos processos cognitivos da escrita em crianças tende a ser: primeiro a textualização, depois o planeamento e só depois a revisão.
Atender a estes princípios não significa que o ensino da escrita seja espartilhado por competências isoladas e trabalhadas uma de cada vez. Desde o início é importante que o contexto da escrita de textos seja preservado e que a criança possa dar-se conta da complexidade da escrita. É igualmente importante que o educador possa ter presente a cada momento qual o foco do ensino, ao qual dar mais tempo e quais os desafios onde é mais provável a criança ser bem-sucedida. O sucesso nesses desafios de dificuldade crescente vai possibilitar um percurso gradual e compensador na escrita de textos cada vez melhores.
Autoria: Rui Alves Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
Graham, S. & Harris, K. (2016). A path to better writing: Evidence-based practices in the classroom. The Reading Teacher, 69, 359 - 365. doi: 0.1002/trtr.1432
Graham, S., MacArthur, C. A., & Hebert, M. (Eds.) (2019). Best practices in writing instruction. New York: Guilford Press.
Harris, K. R., & Graham, S. (2009). Self-regulated strategy development in writing: Premises, evolution, and the future. British Journal of Educational Psychology Monograph Series, II(6), 113–135. doi: 0.1348/978185409X422542
Harris, K., Graham, S., Friedlander, B., & Laud, L. (2013). Bring powerful writing strategies into your classroom! Why and how. The Reading Teacher, 66, 538 - 542. doi:10.1002/TRTR.1156
Hayes, J. R., & Flower, L. S. (1986). Writing research and the writer. American Psychologist, 41, 1106–1113. doi: 10.1037/0003-066X.41.10.1106
Permitir que uma criança aprenda a norma ortográfica da língua é um objetivo básico do ensino da leitura e da escrita e tem repercussões importantes para o desenvolvimento da literacia. Aqui, abordamos as fontes a considerar no ensino da ortografia e como elas podem ser contempladas em atividades de ensino e aprendizagem.
Tornar a escrita fluente permite que os escritores possam focar a atenção naquilo que verdadeiramente importa: na mensagem e no impacto no leitor. Este texto define fluência na escrita e dá conta como automatizar os processos básicos na escrita como a ortografia e a caligrafia são uma condição necessária para ganhar fluência na escrita.
Tal como ao aprender a andar de bicicleta nos tornamos capazes de ter equilíbrio sem pensar (automaticamente), também ao aprender a ler e a escrever ganhamos a capacidade de alguns processos funcionarem em piloto automático. É a aquisição de expertise, que nos torna mais autónomos e flexíveis.