Dada a multiplicidade de influências, é importante salientar que a presença de dificuldades de aprendizagem da leitura não reflete necessariamente uma perturbação específica de desenvolvimento da leitura, isto é, de dislexia. Uma instrução atenta tanto aos fatores extrínsecos, como aos processos cognitivos específicos de leitura e escrita e da sua aprendizagem, pode promover o sucesso num número substancial de estudantes. Num grande número de casos, é possível prevenir e remediar potenciais dificuldades.
O sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita depende de fatores cognitivos, mas também de fatores emocionais, motivacionais e comportamentais que são intrínsecos à criança que aprende a ler, e de fatores extrínsecos, como o meio socioeconómico ou a qualidade e sistematicidade da instrução de leitura, que contribuem para a observação de dificuldades nesta aprendizagem, tal como confirma o estudo de Fluss e colaboradores (Fluss, Ziegler, Warszawski, Ducot, Richard, & Billard, 2009).
Dada a multiplicidade de influências, é importante salientar que a presença de dificuldades de aprendizagem da leitura não reflete necessariamente uma perturbação específica de desenvolvimento da leitura, isto é, de dislexia. Os resultados dos estudos PISA e PIRLS referem-se genericamente a estudantes que mostram dificuldades de leitura face aos seus pares (≈20%), não dizendo quantos deles têm efetivamente um diagnóstico de dislexia.
O único estudo até à data sobre a prevalência de dislexia em Portugal foi realizado por Vale, Sucena, & Viana (2011). As autoras avaliaram o nível de leitura de 1460 crianças do 2.º, 3.º e 4.º ano de escolaridade e os resultados revelaram uma percentagem de 5,4% de crianças com dislexia. Um valor que se enquadra nos intervalos de prevalência recentemente divulgados noutros países. Desta forma, parece existir uma fração significativa (≈15%) de alunos com dificuldades na aprendizagem da leitura cuja origem não pode ser atribuída à presença de dislexia.
A análise destes resultados traz boas e más notícias:
A má notícia é que a causa para as dificuldades de aprendizagem da leitura não é linear: nem todas as crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura têm dislexia e, por isso, o problema é complexo, envolve várias facetas que vão para além de um diagnóstico cognitivo. Apenas uma percentagem reduzida terá esta perturbação.
A dislexia é uma perturbação de desenvolvimento específica da leitura, ou seja, ao nível da identificação das palavras escritas e sua correta decodificação, sem que outros défices no domínio da linguagem oral ou dos processos fundamentais da cognição possam, por si, explicar as dificuldades observadas. Portanto, a dislexia não é explicada por dificuldades cognitivas gerais ou por dificuldades na linguagem oral, de motivação, de instrução ou frequência escolar, de privação cultural ou socioeconómica. Todos estes fatores podem certamente contribuir para a manifestação de dificuldades de aprendizagem da leitura e para exacerbar as dificuldades em crianças com dislexia, mas não explicam a dislexia. Trata-se de uma perturbação neurobiológica de desenvolvimento, com natureza genética. Contudo, como não há um específico gene da leitura, mas sim genes que sustentam processos de aprendizagem, a dislexia pode desenvolver-se conjuntamente com outros défices de aprendizagem; por exemplo, com défices em matemática ou com défices de atenção. Assim, para apurar a origem de uma dificuldade na aprendizagem da leitura é necessária uma avaliação cognitiva rigorosa, que vai para além do domínio da leitura, realizada com instrumentos adaptados e para os quais conhecemos os valores normativos na população portuguesa. É, assim, fundamental que esta avaliação, com fins de diagnóstico, seja feita por técnicos especializados.
A boa notícia é que uma instrução atenta tanto aos fatores extrínsecos, como aos processos cognitivos específicos de leitura e escrita e da sua aprendizagem, pode promover o sucesso num número substancial de estudantes com claras dificuldades na aprendizagem da leitura, mas sem dislexia. Num grande número de casos, é possível remediar e prevenir potenciais dificuldades. A literatura científica, nomeadamente publicada pelo Painel Nacional de Leitura norte-americano (National Reading Panel, nomeado pelo congresso dos EUA em 1998), refere que cinco domínios essenciais devem ser incorporados numa instrução efetiva da leitura e da escrita:
2. Conhecimento letra-som, isto é, correspondências grafema-fonema;
4. Vocabulário;
5. Compreensão oral.
Para promover o sucesso, estes domínios têm de ser treinados de forma sistemática, continuada e explícita, dentro e fora da sala de aula. Eles são também componentes característicos de um tipo de método de ensino da leitura: o método fónico. Nos últimos 50 anos de investigação, o método fónico tem recebido apoio científico sistemático, quer na instrução de crianças saudáveis, quer na instrução de crianças em risco de dificuldades por fatores extrínsecos ou intrínsecos (para uma revisão, ver Castles, Rastle, & Nation, 2018).
Autoria: Alexandra Reis, Luís Faísca e Tânia Fernandes Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
A avaliação com vista ao diagnóstico deve ser abrangente, incluindo não só a leitura, a escrita e capacidades que lhes estão associadas, mas também um conjunto diversificado de domínios cognitivos que podem estar prejudicados. É o balanço entre as áreas fortes e fracas, tanto ao nível do funcionamento cognitivo como académico, que vai contribuir para se traçar o perfil da criança e promover estratégias de intervenção personalizadas.
Todos os programas de intervenção eficazes têm cinco pontos em comum que podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia na instrução de crianças com e sem dificuldades de leitura: intervenção focada, reduzido número de participantes, elevada intensidade, método fónico, atividades ativas e estruturadas de leitura.
Esta questão encerra em si vários fatores-chave implicados no desafio da aprendizagem da leitura, ou seja: “má leitura”; dificuldades de aprendizagem da leitura; dislexia; quando intervir; obter um diagnóstico. A leitura não é uma atividade espontânea, exige ensino explícito. A sua ligação com a linguagem oral não é intuitiva. Uma leitura de sucesso ou “boa leitura” implica uma leitura fluente com compreensão do significado daquilo que foi lido, e muitas competências estão envolvidas. A sua aprendizagem envolve esforço e ensino sistemático, continuado e explícito. Por isso, é natural que a aprendizagem da leitura seja um desafio para todas as crianças.
Dada a multiplicidade de influências (fatores extrínsecos e intrínsecos ao leitor), as dificuldades de aprendizagem da leitura não refletem necessariamente uma perturbação específica de desenvolvimento da leitura, isto é, de dislexia. Aliás, apenas uma percentagem reduzida de crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura tem dislexia. Assim, esperar para ver nunca será uma boa solução; nenhuma criança se torna um leitor com dificuldades aos 15 anos, salvo situações excecionais. Se, por um lado, existem sinais desde uma fase precoce que podem indiciar possíveis dificuldades de leitura (ver Despiste e intervenção precoce - Quadros 1 e 2), por outro lado existem atividades que o educador e o professor podem utilizar para um ensino mais eficaz desde a idade pré-escolar (ver Por uma intervenção precoce e aprendizagem da leitura ativa).
Finalmente, se o ensino e o treino sistemático, continuado, explícito, com envolvimento ativo e motivado da criança, não se revelarem eficazes, a avaliação de dificuldades de aprendizagem da leitura exige uma avaliação neuropsicológica rigorosa, feita por psicólogos com especialização em neuropsicologia. São estes os técnicos para os quais potenciais dificuldades devem ser orientadas. É, contudo, importante salientar que identificar e diagnosticar de nada serve se depois os meios de apoio e intervenção não estiverem disponíveis desde um momento precoce e com eficácia assegurada (ver Intervenção).
Haverá sempre crianças para quem a aprendizagem da leitura é um desafio maior, mesmo quando o ensino da leitura é excelente. Contudo, este número será certamente menor e as dificuldades mais manejáveis se o ensino em sala de aula para todas as crianças usar estratégias de instrução eficazes desde uma fase precoce (ver Métodos fónicos).
Fluss, J., Ziegler, J. C., Warszawski, J., Ducot, B., Richard, G., & Billard, C. (2009). Poor Reading in French Elementary School: The Interplay of Cognitive, Behavioral, and Socioeconomic Factors. Developmental Behaviour, 30, 206-216.
Vale, A. P., Sucena, A., & Viana, F. (2011). Prevalência da dislexia entre crianças do 1.o ciclo do ensino básico falantes do Português Europeu [Prevalence of dyslexia among children from first-to-fourth grades in the European-Portuguese orthography]. Revista Lusófona de Educação, 18 (december), 45-56.
Os métodos fónicos assentam na ideia de que é necessário que as crianças entendam que existem relações consistentes entre grafemas e fonemas (leitura) e entre fonemas e grafemas (escrita). A maioria dos estudos que compararam métodos de ensino mostraram que os métodos fónicos sistemáticos conduziram a progressos mais sólidos na leitura/escrita do que o ensino não sistemático ou do que o que não se baseava nos princípios fónicos.
Existem dois mecanismos cujo desenvolvimento deficitário compromete o objetivo último da leitura: a extração do significado do texto. Trata-se da conversão grafema-fonema e do reconhecimento visual automático das palavras. Dois tipos principais de dificuldade podem ser esperados: o leitor pode ter dificuldade na aprendizagem ou na automatização da conversão grafema-fonema e assim não consegue fazer uma leitura com precisão ou, mesmo tendo uma leitura com precisão, pode não conseguir ter uma leitura fluente.