O desenvolvimento da literacia inicia-se muito antes da educação formal. O contexto familiar tem um papel importante no desenvolvimento das competências de leitura e escrita e é preditor do sucesso na sua aprendizagem. Aqui abordam-se as experiências vividas em família que potenciam o desenvolvimento linguístico oral e a descoberta da escrita.
1. Literacia em contexto familiar
A investigação sobre a aprendizagem da leitura e da escrita dedica um esforço considerável ao aprofundamento das competências de literacia emergente ou precoces, que se referem a determinadas competências, conhecimentos ou atitudes que são percussoras da leitura e da escrita nas crianças. Naturalmente, dada a idade precoce das crianças, estas competências são, presumivelmente, adquiridas através de experiências no contexto familiar ou no jardim de infância. Neste sentido, os investigadores e educadores estão cada vez mais interessados em compreender o papel do contexto familiar neste processo.
Frequentemente, é no seio da família que são oferecidas as primeiras oportunidades para que as crianças se familiarizem com a linguagem escrita, observem e participem em atividades de literacia e explorem a linguagem. O envolvimento parental – que se refere ao estímulo da aprendizagem ativa da criança em contexto familiar e à promoção de diferentes oportunidades de aprendizagem – surge como um fator crucial no desenvolvimento e progressão académica das crianças.
O envolvimento parental manifesta-se segundo vários níveis de influência:
a) pelo envolvimento nas atividades da escola (participação em ações e eventos da escola e/ou comunidade);
b) na comunicação família-escola (e.g. participação nas reuniões escolares, comunicação com educadores/professores);
c) circunscrito ao contexto familiar, nas experiências de aprendizagem formais e informais em casa (e.g. supervisão das atividades e do tempo de estudo, auxílio nas tarefas escolares, modelagem de comportamentos adequados, acesso a recursos culturais, entre outras).
2. A importância da literacia em contexto familiar para o desenvolvimento linguístico e para a aprendizagem da leitura
A literatura tem demonstrado que o envolvimento parental nas diversas experiências das crianças pode promover a linguagem e a literacia. O modelo de literacia familiar de Monique Sénéchal, uma conceituada investigadora deste tema, distingue as atividades de literacia entre pais e filhos em dois tipos: atividades de literacia informais e atividades de literacia formais.
As atividades de literacia informais correspondem àquelas cujo motivo de interação é o sentido ou mensagem veiculada pelo material impresso e não pelo impresso propriamente dito. Um exemplo de atividade informal seria a leitura conjunta de uma história por pais e filhos, onde a atividade se centra na apreensão do sentido da história e não no texto ou palavras dessa história. Por outro lado, as atividades de literacia formais correspondem às atividades em que a atenção se centra no material impresso propriamente dito. Neste caso, os pais podem ensinar e introduzir alguns aspetos do conhecimento formal da literacia, por exemplo, quando a criança aprende com os pais a escrever o seu nome ou quando durante a leitura conjunta de uma história os pais usam o texto impresso para pedir à criança que identifique letras que já conhece.
No contexto familiar, os pais poderão ainda representar modelos positivos de comportamentos de leitura e escrita, sendo que as crianças que estão mais expostas a estes modelos poderão desenvolver atitudes e conhecimentos que facilitam o desenvolvimento da sua literacia. A modelagem de comportamentos letrados por parte dos pais acontece quando estes usam a escrita e a leitura no seu quotidiano para escrever cartas, emails, listas de compras, ler o jornal ou um livro apenas porque gostam de o fazer, transmitindo implicitamente aos seus filhos o valor da literacia, assim como, possibilitando um contacto maior e mais precoce com a escrita e com a leitura.
3. A ciência mostra
A investigação tem vindo a aprofundar o impacto das estratégias de literacia familiar no desenvolvimento da literacia das crianças. Por exemplo, as atividades de literacia informais como a leitura conjunta ou partilhada de livros – uma das atividades de literacia emergente mais estudada – está associada ao desenvolvimento linguístico e a uma maior progressão na aprendizagem. Isto porque a linguagem usada nos livros é mais complexa do que a usada tipicamente numa conversa, a atenção do adulto é focada na criança possibilitando a clarificação e promovendo o desenvolvimento de novos conhecimentos e o livro pode ser relido possibilitando novas aprendizagens (e.g. vocabulário novo).
Por seu turno, as atividades de literacia formais realizadas com tutoria parental, aquelas através das quais são introduzidos aspetos do conhecimento formal da literacia (e.g. aprender letras, escrever o seu nome), têm demonstrado ser das estratégias mais eficazes na promoção das competências implicadas nas etapas iniciais da aprendizagem da leitura e da escrita.
Por outras palavras, segundo a literatura, estes dois tipos de experiências familiares produzem efeitos distintos no que se refere à promoção da literacia das crianças. A leitura de livros está diretamente relacionada às competências linguísticas das crianças, como o conhecimento de vocabulário, e à aquisição de conhecimento, mas não se relaciona tão diretamente com o sucesso na leitura e na escrita nas etapas mais precoces da aprendizagem ou com o desenvolvimento de habilidades específicas exigidas nesta fase, como a consciência fonológica. Já o ensino parental dos aspetos formais da literacia está diretamente associado à aprendizagem da leitura e escrita de palavras, beneficiando-a nas etapas iniciais. Para além da aprendizagem das letras e de outros aspetos relacionados com a escrita, promove indiretamente a consciência fonológica das crianças. A médio prazo, quando as crianças já dominam a decodificação, verifica-se que a leitura de livros tende a promover indiretamente (através, nomeadamente, do nível de vocabulário superior) a sua capacidade de compreensão da leitura no final do 1.º ciclo.
A investigação tem também realçado o efeito da modelagem de comportamentos letrados positivos nas crianças. Verificou-se que a frequência de leitura dos pais explicava entre 7% a 9% do nível de vocabulário e mediava até 88% da relação estabelecida entre a leitura partilhada e a compreensão sintática das crianças de quatro anos, depois de controlada a influência do nível de escolaridade parental.
Autoria: Ana Cristina Fontes da Costa Edição: Andreia Lobo
Publicação: 11.fevereiro.2021
Compreende o desenvolvimento de determinadas competências, conhecimentos ou atitudes que são percussoras da leitura e da escrita nas crianças em contexto familiar e inicia-se em idades precoces da criança e com o apoio e envolvimento parental. Assume-se na literatura científica como um processo relevante no desenvolvimento das crianças dada a sua eficácia comprovada na promoção da literacia futura das crianças.
Apesar de na literatura estarem identificadas diferentes estratégias promotoras de literacia familiar, as estratégias que implicam envolvimento parental (formais e informais) tendem a ser mais exploradas. Em particular, a leitura partilhada de histórias entre pais e filhos e a tutoria parental sobre aspetos específicos da escrita são as práticas que tendem a apresentar resultados de maior eficácia no futuro desempenho dos jovens leitores.
A leitura conjunta ou partilhada de livros é uma das atividades informais de literacia em contexto familiar mais estudada. É uma das primeiras atividades que pais e filhos fazem por prazer e que possibilita o desenvolvimento da literacia emergente. Por um lado, a linguagem usada nos livros é mais complexa do que a usada tipicamente numa conversa. Por outro lado, a linguagem usada pelas mães durante a leitura é também mais complexa do que a usada nas comunicação mãe-filhos durante outras atividades. Desta forma as crianças são expostas a um vocabulário mais rico e a formas gramaticais e sintáticas novas e com maior grau de dificuldade.
Acresce que durante a leitura conjunta a criança tem a atenção do adulto para clarificar, explicar ou questionar a criança, promovendo o desenvolvimento de novos conhecimentos e reforçando a aprendizagem. Igualmente importante é a capacidade de leitura conjunta ser uma fonte de aprendizagem repetível, uma vez que o mesmo estímulo, o livro ou o texto, pode ser relido em diferentes momentos possibilitando novas aprendizagens, como é o caso particular da aquisição de novo vocabulário.
A investigação tem aprofundado o efeito da leitura de histórias na aprendizagem da leitura das crianças e demonstrou que esta atividade promove, essencialmente, a compreensão da leitura em idades mais avançadas.
Numa fase inicial, a leitura de histórias estimula sobretudo o vocabulário novo nas crianças e o conhecimento implícito da morfologia e sintaxe da língua. Esta atividade não afeta diretamente o seu conhecimento formal da literacia, que normalmente é mais influenciado pelas atividades intencionais e formais de ensino ou tutoria parental da leitura. Como, por exemplo, atividades durante as quais os pais ensinam o nome das letras, a pronúncia e a escrita de algumas palavras ou envolvem os seus filhos em jogos que promovem a aquisição dos conhecimentos específicos envolvidos na decodificação.
No entanto, verificou-se que em idades mais avançadas, quando as crianças já dispõem do domínio da decodificação, o seu nível superior do conhecimento da língua, por exemplo, do vocabulário, facilitará e será um forte preditor dos seus níveis de compreensão da leitura.
Estudos recentes têm evidenciado que mais importante que o nível de escolaridade dos pais, a frequência de leitura parental contribui de forma única para explicar o nível de linguagem oral das crianças, ainda que se pressuponha que para funcionar como um modelo letrado para os filhos, os pais devam ter um nível mínimo de literacia. Estes resultados apoiam a ideia de que os pais quando leem por prazer funcionam como modelos letrados positivos para as suas crianças, podendo influenciar muito significativamente a sua oralidade e incutir o gosto pela leitura que potenciará o desenvolvimento das suas competências de literacia.
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A aprendizagem da leitura/escrita implica a aprendizagem de um sistema de signos gráficos que representam a fala e o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que possibilitem a compreensão do que se lê e a capacidade de expressão através da escrita. Por isso, o sucesso nesta aprendizagem é influenciado pela condição em que cada criança se encontra quando inicia a escolaridade, em particular pelo seu desenvolvimento linguístico e pelo contacto prévio que teve com a escrita.
A promoção da leitura consiste na realização de atividades que induzam o contacto com livros e outros recursos escritos, com o objetivo de estimular a curiosidade e o desejo de ler, ampliar as habilidades leitoras e abrir as portas para o mundo alternativo que os textos oferecem. A promoção da leitura pode ser dirigida a qualquer grupo de idades, pois é benéfica em todas as etapas da vida. Junto das crianças torna-se crucial, pois a facilidade na compreensão dos textos exige bastante mais do que a aprendizagem formal. Na verdade, as crianças só conseguirão alcançar o domínio da leitura se a praticarem com frequência. E para que a prática de leitura se torne natural é necessário que sejam carinhosamente incentivadas a procurar livros e a lê-los, tanto nas salas de aula, como na biblioteca escolar, em família, nos tempos livres e ao longo de vários anos.