As letras são chaves para vários conhecimentos que alicerçam a aprendizagem da leitura e da escrita nas ortografias alfabéticas. Este texto discute a importância do nome das letras, do seu som e das correspondências grafemas-fonemas e fonemas-grafemas para possibilitar às crianças a descoberta do princípio alfabético.
1. O conhecimento das letras
As letras são nucleares nas ortografias alfabéticas. Elas são a unidade visível dos alfabetos e é nelas que assenta o princípio alfabético. O conhecimento das letras refere aquilo que as crianças podem aprender sobre as letras. Desde logo o seu nome, por exemplo “cê” para a letra <c>, a sua forma visual (c, C ou ç), o seu som mais frequente, /k/, mas também as correspondências que estabelece com os fonemas que pode representar (umas vezes com /k/, outras com /s/), as palavras em que é usado e as posições na palavra em que pode surgir (em português, o c nunca é a última letra de uma palavra). Como se exemplificou, parecendo simples, há muitos conhecimentos que podem ser aprendidos sobre as letras do alfabeto. Esses conhecimentos têm implicações importantes na aprendizagem da leitura e da escrita.
2. A importância do conhecimento das letras
As letras dão corpo ao princípio alfabético e parecem ser utilizadas pelas crianças como âncoras para a aprendizagem da relação entre a escrita e a fala. A descoberta dessa relação não é fácil. Nas ortografias alfabéticas, ela implica aprender que relações as letras estabelecem com essas entidades, quase míticas, chamadas fonemas. É nessa aprendizagem que as letras ajudam. Uma primeira ajuda é dada pelo nome das letras, que tipicamente é a primeira coisa que as crianças conhecem sobre as letras.
Saber o nome das letras é importante, pois frequentemente o nome das letras contém a realização do fonema que ela representa. Exemplo: o nome da letra A tem o mesmo som que a primeira vogal em amanhã, curiosamente não nas realizações vocálicas seguintes que são também representadas pela letra A. A coincidência entre o nome da letra e o facto de esse som “aparecer” em algumas palavras escritas parece desviar decisivamente a atenção da criança para dois desenvolvimentos críticos: a aprendizagem das correspondências entre as letras e os sons que elas representam e o desenvolvimento da sensibilidade fonémica.
Conhecimento das correspondências grafemas-fonemas e sensibilidade fonémica estão na base da aprendizagem do princípio alfabético. Tendo aprendido o princípio alfabético e o código ortográfico, e tendo usufruído de muitas oportunidades para que possa ler e escrever textos, a criança torna-se progressivamente mais autónoma no desenvolvimento da linguagem escrita. Para usar uma noção introduzida por David Share, a criança adquire um mecanismo que lhe permite o autoensino na leitura e na escrita de palavras. Aprender o nome das letras pode, assim, ser reconhecido como um importante precursor na aprendizagem do princípio alfabético.
3. A ciência mostra
A investigação sobre a aprendizagem da leitura mostra que o conhecimento do nome das letras é, a par da consciência fonológica, um dos melhores preditores do sucesso na aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Tipicamente são encontradas correlações fortes entre o conhecimento do nome das letras aos cinco anos e os bons desempenhos na leitura e na escrita de palavras um ano depois, no 1.º ano de escolaridade.
A investigação mostra também que conhecer o nome das letras (por exemplo da letra S) abre o caminho para aprender o som das letras (neste caso, “sss...”) e, posteriormente, para conhecer as correspondências grafemas-fonemas (a letra <s> em “saco” e “caso” corresponde a sons e fonemas diferentes). Há, por isso, bons argumentos para que as sequências didáticas possam seguir esta ordem (nome das letras – som das letras – correspondências). Nas interações da criança com as palavras escritas, tanto na leitura como na escrita, parece igualmente importante que o professor possa mediar essa relação e facilitar à criança a inferência dos fonemas, deslocando a atenção da criança para o valor sonoro das letras, como por exemplo, “fffááávvvaaa”. Esta inferência parece ser facilitada se a criança tiver, mais ou menos simultaneamente, oportunidades para ler e escrever.
Autoria: Rui Alves Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
O nome das letras é frequentemente a porta de entrada para as crianças no mundo da alfabetização, mas há muito mais a aprender sobre elas. Que sons da fala representam? Que correspondências os grafemas estabelecem com os fonemas e vice-versa? É também importante dar conta da variabilidade gráfica das letras, tanto na leitura como na escrita à mão. E, sobretudo, é muito importante que as crianças tenham experiências de leitura e escrita mediadas por um adulto que, em diferentes momentos, possa focar a atenção das crianças nos conhecimentos das letras que elas ainda não aprenderam.
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Aprender a ler e a escrever pode começar muito antes da entrada na escola. A aprendizagem crucial está, no entanto, frequentemente reservada, e bem, para a escola. Existe, ainda assim, um conjunto de aprendizagens sobre o sistema de escrita que as crianças adquirem de modo informal e sem necessidade de escolarização. Elas preparam o caminho para a leitura e cultivam bons leitores, desde muito cedo.
O princípio alfabético é o mecanismo de funcionamento dos sistemas de escrita alfabética. De acordo com este princípio, cada fonema é representado por um grafema. Compreender o funcionamento do princípio alfabético é a chave da aprendizagem da leitura e da escrita. O princípio alfabético é a base da decodificação/codificação, assim como a da aprendizagem do código ortográfico.
A tomada de consciência dos fonemas envolve a compreensão de que os fonemas são partes na constituição das sílabas e, portanto, na constituição das palavras. A consciência dos fonemas desenvolve-se como consequência de um ensino explícito, habitualmente o ensino das letras aplicado a tarefas de leitura e/ou escrita, e é essencial para aprender a ler num sistema de escrita alfabética, como o nosso.