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Qual é a incidência das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita?

Cerca de um quarto dos estudantes portugueses têm dificuldades no domínio da leitura, percentagem que se mantém relativamente constante ao longo do ensino básico. Estas dificuldades parecem não estar exclusivamente relacionadas com a complexidade do código ortográfico do Português Europeu. Refletem o efeito de muitos outros fatores, entre os quais o meio socioeconómico e a qualidade da instrução.

A leitura é uma atividade complexa que envolve vários processos mentais além dos que lhe são específicos. Para ser eficaz são necessários processos de análise visual, de atenção e memória, de decodificação da palavra escrita em palavra falada, de extração do significado e sua ligação ao conhecimento prévio, bem como competências gerais de linguagem oral. Tal como a leitura, também a escrita é uma atividade complexa; ambas envolvem vários sistemas cognitivos. 

Ao contrário da linguagem oral, leitura e escrita não são atividades espontâneas e inerentes ao ser humano: não basta estar imerso num mundo de livros para aprender a ler. É necessário um ensino formal e a compreensão das ligações entre a linguagem oral e o sistema de escrita, que não são intuitivas. A sua aprendizagem envolve esforço. Várias razões conspiram para que aprender a ler e a escrever seja difícil, sendo por isso frequentes as dificuldades.

Apesar da frequência e da importância da análise das dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita, não há nenhum estudo específico que aborde a prevalência destas dificuldades nos primeiros anos de escolaridade em Portugal. No entanto, existem alguns estudos internacionais, como o Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS, IEA) e o Programme for International Student Assessment (PISA, OCDE), e nacionais (Ise et al., 2011; Vale, Sucena, & Viana, 2011) que permitem ter uma ideia sobre estas dificuldades em diferentes faixas etárias.

Desde 2011 que Portugal participa no PIRLS, um programa que avalia competências associadas à compreensão da leitura de alunos do 4.º ano de escolaridade oriundos de diversos países. Nos resultados de 2021, 25% dos estudantes portugueses situaram-se num nível baixo de desempenho, evidenciando competências apenas para compreender textos simples, tanto literários como informativos. A percentagem é superior às registadas em 2016 e 2011 (20% e 16%, respetivamente), posicionando Portugal em 22.º lugar no conjunto de países participantes. O desempenho dos estudantes nacionais em 2022 é comparável ao obtido em Espanha e na Eslovénia, distanciando-se dos resultados dos alunos dos países do Sudeste Asiático, da Federação Russa, de Inglaterra e Suécia.

Os resultados demonstram que as dificuldades de leitura envolvem uma constelação de fatores que vão além da complexidade do código ortográfico. Isto é, da consistência / inconsistência com que a palavra escrita representa a palavra falada. Por exemplo, o Português Europeu mostra algumas inconsistências: o som /s/ (como em sapo) pode ser escrito com recurso a vários grafemas, como ilustrado na palavra "SUCESSO"; o grafema <o> pode corresponder a fonemas diferentes como em "BOCA", "TOCA" e "COMER". São inconsistências que tornam o código ortográfico Português mais complexo do que outras ortografias em que a relação letra-som é biunívoca ou transparente como, por exemplo, o espanhol. 

Os estudos científicos sugerem que as dificuldades na aprendizagem da leitura dependem largamente do grau da complexidade do código ortográfico em que se aprende a ler e a escrever (Seymour, Aro, & Erskine, 2003), embora se observe no PIRLS uma percentagem de alunos com dificuldades de leitura superior em países com menor complexidade ortográfica, como em Espanha, comparativamente a países com maior complexidade ortográfica, como no Reino Unido ou na Holanda. 

Estes resultados sugerem que as dificuldades reveladas por alunos do 4.º ano parecem já não estar tão dependentes das características do código ortográfico, associando-se provavelmente a outros fatores. Sejam fatores intrínsecos à criança (cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais), ou extrínsecos (meio socioeconómico ou qualidade da instrução de leitura). Note-se que há muitas indicações de que o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento linguístico, senão também o desenvolvimento emocional e motivacional, dependem do meio socioeconómico e da qualidade da educação pré-escolar e escolar.

O desempenho de Portugal no PIRLS 2021 aproxima-se do observado em 2022 no PISA no domínio da leitura. 30% dos jovens de 15 anos apresentam níveis elementares de competências de leitura. A convergência dos resultados entre os programas PIRLS e PISA mostra que devemos dedicar uma atenção particular às dificuldades de leitura desde o início da escolaridade. Nenhuma criança se torna um leitor com dificuldades aos 15 anos, salvo situações altamente excecionais, como em caso de lesão cerebral.

Enquanto os resultados dos estudos PIRLS e PISA refletem uma avaliação direta do desempenho dos alunos, um estudo conduzido por Ise e colaboradores (Ise et al., 2011) recorreu a professores de seis países europeus – Alemanha, Finlândia, França, Holanda, Hungria e Portugal – para fazer um levantamento da proporção de maus leitores em turmas do 3.º ano e do 6.º ano do ensino básico. Portugal foi o segundo país com a maior percentagem de maus leitores no 3.º ano (21.1%) e no 6.º ano (27.7%), logo a seguir à Hungria (com 26.1 e 29.6%, respetivamente). Cerca de 20% dos estudantes portugueses têm dificuldades no domínio da leitura, percentagem que se mantém relativamente constante ao longo do ensino básico.

Autoria: Alexandra Reis, Luís Faísca e Tânia Fernandes          Edição: Andreia Lobo

Publicação: 22.setembro.2020

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Castles, A., Rastle, K., & Nation, K. (2018). Ending the Reading Wars: Reading Acquisition from Novice to Expert. Psychological Science in the Public Interest, 19(1), 5-51. doi: 10.1177/1529100618772271

Vale, A. P., Sucena, A., & Viana, F. (2011). Prevalência da dislexia entre crianças do 1.o ciclo do ensino básico falantes do Português Europeu [Prevalence of dyslexia among children from first-to-fourth grades in the European-Portuguese orthography]. Revista Lusófona de Educação, 18 (december), 45-56.

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