No desenvolvimento da literacia, leitura e escrita podem manter entre si várias relações sinergéticas. Ensinar uma favorece a outra e ensinar as duas favorece ambas. Os currículos escolares devem, de um modo coerente, integrado e equilibrado, contemplar o ensino da leitura e da escrita.
1. Influência recíproca entre leitura e escrita
É bastante intuitiva a ideia de que a leitura e a escrita estão intimamente relacionadas e se reforçam mutuamente. Afinal, elas são as duas faces da linguagem escrita: a leitura, a face recetiva; a escrita, a face expressiva.
É frequente ouvir-se que sem escrita não há leitura. E que ler é a melhor forma de melhorar a escrita.
Curiosamente, apesar de estas intuições serem fortes, só nos últimos 30 anos é que as relações entre leitura e escrita têm sido alvo de investigação sistemática e deram origem a um campo de investigação conhecido como o das “relações entre leitura e escrita”.
O “modelo do conhecimento partilhado” é o mais influente nesse campo. Proposto por Timothy Shanahan, tem como asserção principal que a leitura e a escrita partilham conhecimentos e processos cognitivos. Shanahan sugere que a leitura e a escrita são como dois baldes utilizados para retirar água de um mesmo poço. O poço do conhecimento. Usando outra metáfora visual, Shanahan assemelha a leitura e a escrita a dois edifícios que partilham as mesmas fundações. Leitura e escrita partilham quatro tipos de conhecimentos: conhecimento do mundo, conhecimento dos atributos dos textos, metaconhecimento da linguagem escrita e conhecimento procedimental.
1. O conhecimento do mundo é aquilo que um leitor ou um escritor trazem para a leitura ou para a escrita. Tudo aquilo que uma pessoa sabe sobre um determinado assunto, todos os significados que possam ser verbalizados são naturalmente fontes que leitores e escritores mobilizam para compreender e produzir textos.
2. O conhecimento dos textos engloba conhecimentos sobre vários níveis linguísticos que invariavelmente são visíveis nos textos, como, por exemplo, letras, palavras, frases e tipos textuais, ou, por outras palavras, os níveis sublexical, lexical, sintático e discursivo.
3. O metaconhecimento da linguagem escrita aponta para o conhecimento da pragmática da leitura e da escrita, por exemplo, conhecimentos da pessoa sobre as funções, os usos e as finalidades da leitura e da escrita.
4. O conhecimento procedimental indica o “saber fazer” associado às práticas de leitura e escrita: como aceder, usar e gerar conhecimento em cada uma das áreas implicadas na linguagem escrita. Esta combinação que um indivíduo pode fazer das atividades de leitura e da escrita contempla habitualmente procedimentos automáticos e estratégicos, como por exemplo: ser capaz de escrever correta e rapidamente, ou ler na diagonal para encontrar uma informação específica, respetivamente.
Em suma, a existência de conhecimentos e processos cognitivos partilhados entre leitura e escrita é uma das explicações propostas para as relações mutuamente vantajosas que ler e escrever habitualmente estabelecem.
2. A importância do exercício da leitura e da escrita para a consolidação das representações ortográficas e a automatização destas competências
É importante que, desde o início da escolarização, as crianças tenham prática de leitura e escrita em momentos da aula e que estas possam ser combinadas em atividades autênticas de literacia. Isto significa que normalmente é necessário dar mais tempo à escrita no contexto escolar, pois felizmente a importância da leitura tem sido bastante ressaltada, mas menos a da escrita. E a escrita é importante porque necessariamente ela também usa a leitura. Por isso, contextos de escrita autêntica, por exemplo escrever uma carta ao diretor da escola para surtir um determinado efeito, ou escrever para o jornal da escola, são úteis não só motivacionalmente, mas também como momentos de prática que promovem a consolidação das representações ortográficas que tanto a leitura como a escrita usam. Também só pela prática frequente é que leitura e escrita podem tornar-se automáticas, isto é, acontecer sem grande esforço, com rapidez e fluência.
3. A ciência mostra
A investigação empírica sobre as relações entre leitura e escrita pode ser organizada em três questões, tendo cada um delas sido já alvo de sínteses meta-analíticas:
1) Ensinar a escrita favorece a leitura?
Graham e Hebert reviram os estudos empíricos nos quais a escrita foi ensinada e o seu impacto avaliado na leitura. Os autores concluíram que: escrever sobre textos lidos melhora a compreensão desses textos em estudantes do 2.º ao 12.º ano; o ensino da escrita melhora a leitura (ensinar a ortografia melhora a leitura de palavras e a fluência na leitura em alunos do 1.º ao 7.º ano); aumentar o tempo de atividades de escrita na escola dos alunos do 1.º ao 6.º ano melhora a compreensão da leitura.
2) Ensinar a leitura favorece a escrita?
Numa outra revisão de estudos empíricos, nos quais foi avaliado se o ensino da leitura melhorava a escrita, Graham e colaboradores reuniram evidências de que, sobretudo no início da escolaridade, o treino da consciência fonológica, os métodos fónicos de ensino da leitura e o treino da compreensão leitora tiveram um efeito positivo na correção ortográfica e na qualidade da escrita. Os autores encontraram também evidência positiva de que aumentar a interação dos estudantes com os textos (através da leitura ou observando outros a ler) também melhorava a qualidade da escrita.
3) Ensinar leitura e escrita favorece ambas?
Numa terceira meta-análise, Graham e colaboradores reviram os estudos empíricos em que leitura e escrita eram ensinadas em conjunto num programa equilibrado: o ensino de uma ou outra não podia ocupar mais de 60% do programa. Os autores concluíram que, do pré-escolar ao secundário, o ensino conjunto da leitura e da escrita favoreceu: na leitura, a compreensão leitora, a decodificação e o vocabulário; na escrita, a qualidade da escrita, a caligrafia, a ortografia e o tamanho dos textos.
Autoria: Rui Alves Edição: Andreia Lobo
Publicação: 22.setembro.2020
Sim. Há importantes sinergias que leitura e escrita podem criar entre si, por virtude dos mecanismos e conhecimentos que partilham. Como inevitavelmente a escrita implica a leitura, é importante dedicar mais tempo à escrita na sala de aula. Revisões da evidência empírica têm mostrado que a leitura beneficia a escrita, que a escrita melhora a leitura e que currículos que combinam as duas de modo coerente e equilibrado melhoram tanto a leitura como a escrita.
Alves, R. A., Limpo, T., & Joshi, R. M. (Eds.) (2020). Reading-writing connections: Towards integrative literacy science. New York: Springer.
Graham, S., & Hebert, M. (2010). Writing to read: Evidence for how writing can improve reading. New York: Carnegie Corporation of New York.
Graham, S., Liu, K., Aitken, A., Ng, C., Bartlett, B., Harris, K. R., & Holzapel, J. (2018b). Balancing reading and writing instruction: A meta-analysis. Reading Research Quarterly, 53(3), 279-304.
Graham, S., Liu, X., Bartlett, B., Ng, C., Harris, K.R., Aitken, A., Talukdar, J. (2018a). Reading for writing: A meta-analysis of the impact of reading and reading instruction on writing. Review of Educational Research, 88(2), 243-284.
Shanahan, T. (2019). Reading-writing connections. In S. Graham, C. A. MacArthur, & M. Hebert (Eds.), Best practices in writing instruction (pp. 309-332). New York: Guilford Press.
O princípio alfabético é o mecanismo de funcionamento dos sistemas de escrita alfabética. De acordo com este princípio, cada fonema é representado por um grafema. Compreender o funcionamento do princípio alfabético é a chave da aprendizagem da leitura e da escrita. O princípio alfabético é a base da decodificação/codificação, assim como a da aprendizagem do código ortográfico.
Permitir que uma criança aprenda a norma ortográfica da língua é um objetivo básico do ensino da leitura e da escrita e tem repercussões importantes para o desenvolvimento da literacia. Aqui, abordamos as fontes a considerar no ensino da ortografia e como elas podem ser contempladas em atividades de ensino e aprendizagem.
Os métodos fónicos assentam na ideia de que é necessário que as crianças entendam que existem relações consistentes entre grafemas e fonemas (leitura) e entre fonemas e grafemas (escrita). A maioria dos estudos que compararam métodos de ensino mostraram que os métodos fónicos sistemáticos conduziram a progressos mais sólidos na leitura/escrita do que o ensino não sistemático ou do que o que não se baseava nos princípios fónicos.