Preparar A Ciência Mostra

Desenvolver a linguagem

Vocabulário

A aprendizagem da leitura é facilitada pelo domínio que os aprendizes leitores têm da linguagem oral. Neste âmbito, merece especial relevância o conhecimento lexical.

1. Conhecimento lexical

O conhecimento lexical é o número de palavras que um adulto ou uma criança conhece.



O léxico ativo é constituído pelas palavras usada pelos falantes. O léxico passivo diz respeito às palavras conhecidas, mas que não são usadas. O léxico ativo é sempre inferior ao léxico passivo: conhecemos mais palavras do que as que utilizamos.

O desenvolvimento lexical está diretamente associado ao conhecimento conceptual. Não se aprendem apenas palavras, mas conceitos. O conhecimento lexical acompanha o conhecimento geral. 


2. A importância do conhecimento lexical para a leitura 

O conhecimento lexical é um importante facilitador da aprendizagem da leitura, quer na vertente decodificação, quer na vertente compreensão.  

Todavia, há a considerar não só o número de palavras conhecidas pelo leitor, mas também o que se denomina flexibilidade linguística, isto é, o conhecimento dos vários significados que uma mesma palavra pode assumir. Este aspeto é particularmente importante para a leitura em línguas que são muito ricas em termos polissémicos, como é o caso do Português. 

As relações entre conhecimento lexical e compreensão da leitura são facilmente entendidas. Se o leitor não conhecer a esmagadora maioria das palavras que encontra num texto, a compreensão fica comprometida. Porém, o desconhecimento de apenas uma ou duas palavras, mas que são chave de compreensão, é suficiente para impedir igualmente a extração de sentido de um texto.

As relações entre o conhecimento lexical e a aprendizagem da leitura no sentido de decodificação são, no geral, menos evidentes. Especialmente na fase inicial da aprendizagem. Nesta fase, o conhecimento das palavras a ler fornece importantes pistas para a obtenção da sua forma fonológica

O conhecimento lexical facilita a aprendizagem da leitura, mas esta, por sua vez, rapidamente se torna numa das principais fontes para alargamento do léxico.  A relação do conhecimento lexical com a decodificação e a compreensão é de natureza bidirecional. Ou seja, o conhecimento lexical facilita a decodificação e a compreensão; por sua vez, ler vai contribuir para o desenvolvimento lexical.


3. A ciência mostra

A investigação tem demonstrado o papel decisivo do conhecimento lexical para a leitura. Na fase inicial da aprendizagem da leitura fornece pistas importantes para a obtenção da forma fonológica das palavras escritas. Por exemplo, ao ler a palavra banana, que não possui qualquer diacrítico, se esta integrar o léxico mental do aluno, este facilmente encontra a sua forma fonológica, pronunciando a vogal <a> da sílaba intermédia como tónica e as restantes como átonas. 

Se a palavra a ler não fizer parte do léxico do aluno, este terá mais dificuldade na tomada de decisão sobre a pronúncia da mesma. O mesmo ocorre quando, por exemplo, o aprendiz leitor tenta ler uma palavra que possui uma letra cuja representação fonológica ainda desconhece. Neste caso, a conversão grafema/fonema das restantes pode dar-lhe pistas para inferir o valor da letra em falta.  

Quando o leitor desconhece o significado de cerca de 15% das palavras de um texto, é inevitável que a compreensão fique comprometida. A percentagem não é absoluta, dado que poderá haver palavras que são chave de compreensão pelo que, se forem desconhecidas, impedirão a extração de sentido.  

A investigação sugere que o ensino explícito de vocabulário melhora o desempenho dos alunos em leitura – ao nível da decodificação e da compreensão – e também ao nível da oralidade e da produção textual. Os efeitos de um vocabulário reduzido aumentam ao longo de toda a escolaridade. Por isso, é importante que este conhecimento seja monitorizado e alvo de intervenção quando se constatam défices. Esta preocupação deve estar presente quer na educação pré-escolar, quer em toda a escolaridade obrigatória.


Autoria: Fernanda Leopoldina Viana e Iolanda Ribeiro           Edição de texto: Andreia Lobo           Edição gráfica: Vera Antunes

Publicação: 22.setembro.2020

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Recomendações

Perguntas Frequentes

Como se pode ajudar as crianças a expandir o seu vocabulário?

Numa primeira etapa, nomeando objetos, acontecimentos, pessoas, animais, ações, etc., de forma a que as crianças criam representações mentais e desenvolvam o seu vocabulário recetivo (ou léxico passivo). Muito antes de uma criança ser capaz de pronunciar, por exemplo, a palavra “ursinho”, ela será capaz de responder a um pedido para que traga, do cesto dos brinquedos, o ursinho e não qualquer outro brinquedo.

Numa segunda etapa, expandindo o que a criança diz. Falar à criança usando, progressivamente, um discurso mais próximo do discurso adulto. Se na primeira etapa dizer “piu-piu”, “popó” ou “au-au" é uma forma de estimular a passagem da reduplicação silábica para a duplicação silábica, muito rapidamente estes termos devem ser substituídos pelas palavras “galinha” (ou “pássaro”, ou “peru” …), “carro” (ou “autocarro”, ou “camião”) e "cão".

Ler para a criança é uma das estratégias mais completas para a promoção do desenvolvimento linguístico. Além de aprenderem palavras novas, contactam com tempos (e modos) verbais poucas vezes usados no discurso oral e com organizações sintáticas também mais complexas do que as usadas na comunicação oral. A leitura deve ter lugar desde que a criança nasce e não devem ser substituídas palavras que se supõe serem-lhe desconhecidas. É o procedimento oposto, isto é, chamar a atenção para palavras desconhecidas e explorar os seus significados, que contribui para a expansão do vocabulário.

Quando, ao ler uma história, aparece uma palavra (ou expressão) cujo significado a criança desconhece, devemos substituí-la por outra?

Não. Deve ler-se essa palavra. Se a criança perguntar o seu significado, ele deve ser explicado. No entanto, antes de proceder à explicação, pode-se perguntar à criança o que acha que a palavra pode significar, de modo a estimular a inferência através do contexto. Se a criança não perguntar, o adulto pode convidar a criança a refletir sobre o significado dessa palavra. Exemplo: “O lobo mau fugiu apavorado”. O que quererá dizer “apavorado”?

Algumas crianças gostam de usar palavras “difíceis”, mas nem sempre as usam no contexto adequado. Por que razão isto acontece?

Querer usar palavras novas ou “difíceis” é um sinal de que a criança está atenta às palavras que ouve e a ter um papel ativo no seu próprio desenvolvimento linguístico. Mostra que a criança está a tentar expandir o seu léxico ativo. No entanto, perante palavras novas, é também comum as crianças inferirem significados, os quais podem não ser os corretos. 

Exemplo: um menino muito curioso relativamente a marcas e modelos de automóveis viu uma vez um acidente com um carro cor-de-rosa. A irmã disse-lhe: “Olha um acidente”. Dois dias depois, o menino passou por uma montra onde está estava um carro (brinquedo) cor-de-rosa, igual ao que tinha visto, e disse: “Está ali um acidente”. Para ele, “acidente” passou a ser um modelo de automóvel. 

A palavra “acidente” ficou gravada no seu léxico e ele convocou-a, mas a associação semântica era errada. Estas incorreções devem ser clarificadas, não numa perspetiva de erro, mas de clarificação de conceitos. Alguns destes erros provocam o riso dos adultos que, em alguns casos, passam a usar a palavra com o sentido errado atribuído pela criança. Este é um comportamento dos adultos que nunca deve ocorrer, não só porque reforça uma conceção errada, mas também porque, em alguns casos, pode ter um impacto negativo na autoestima da criança.

Quando uma criança diz uma palavra de forma “errada”, deve-se corrigir?

O que deve ser feito é devolver à criança uma reformulação do que ela disse. Por exemplo, se a criança diz “Eu já "fazi tudo”, a sua ilocução pode ser devolvida dizendo algo do tipo: “Eu também já fiz o meu trabalho muito bem”.

A exposição de uma criança a duas línguas poderá originar um domínio insuficiente das duas?

Teoricamente, não. No entanto, o domínio depende do tempo e da sistematicidade de exposição a cada uma delas. Se os pais falam línguas diferentes e no meio ambiente (incluindo a creche ou jardim-de-infância) a língua de comunicação é a de um dos progenitores, é de esperar que o domínio desta última seja superior. Há crianças bilingues que, em contexto de creche ou jardim-de-infância fazem questão de falar a língua deste contexto por sentimento de pertença.

LEITURAS SUGERIDAS

Duarte, I. (2008). O conhecimento da língua: desenvolver a consciência linguística. Lisboa: Ministério da Educação, DGIDC. http://area.dge.mec.pt/gramatica/O_conhecimento_da_lingua_desenv_consciencia_linguistica.pdf

Sim-Sim, I., Silva, A. C., & Nunes C. (2008). Linguagem e comunicação no Jardim-de Infância. Lisboa: Ministério da Educação, DGIDC. https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EInfancia/documentos/linguagem_comunicacao_jardim_infancia.pdf

Viana, F. L. & Ribeiro, I. (2017) (Coords.). Falar, ler e escrever. Propostas integradoras para Jardim de Infância (2ª Ed.). Maia: Lusoinfo Multimédia.

Viana, F. L., Cruz, J., & Ribeiro, I. (2019). Para um olhar positivo sobre o papel da família na literacia familiar. In M. J. Santos & S. D. Barrera (Orgs.), Aprender a ler e a escrever. Bases cognitivas e práticas pedagógicas (Vol.1) (pp. 33-56). S. Paulo: Vetor Editora. http://hdl.handle.net/1822/62636

Viana, F. L., Silva, C., Ribeiro, I. & Cadime, I. (2017). Instrumentos de avaliação da linguagem: Uma perspectiva global. In M. J. Freitas & A. L. Santos (Orgs.), A aquisição da língua materna (pp. 333-357). Berlin: Language Science Press. DOI: 10.5281/zenodo.889443 http://langsci-press.org/catalog/book/160 http://hdl.handle.net/1822/50597

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