Desenvolver Recomenda-se

Como se desenvolve a leitura e a escrita

1. Promover a aquisição progressiva de habilidades de leitura e escrita

O português é uma ortografia em que o grau de regularidade ou consistência entre a palavra falada e a palavra escrita é considerado intermédio. Não é tão simples como o espanhol, o italiano ou o alemão: as três ortografias consideradas transparentes ou consistentes. Nem é tão complexa quanto o inglês: uma ortografia considerada opaca ou inconsistente.

No conjunto das línguas de origem latina, o português tem uma complexidade ortográfica próxima do francês: mais próxima na leitura do que na escrita. Isto significa que a aprendizagem do princípio alfabético – conhecer as correspondências fonema-grafema simples – é necessária mas não é suficiente para saber ler e escrever. Porque a escrita portuguesa, tal como a francesa, tem um conjunto de regras dependentes do contexto adjacente. Umas, associadas à composição morfológica das palavras; outras, que precisam de ser conhecidas e dominadas pelos leitores principiantes para se transformem em leitores hábeis. 

Estas especificidades da leitura e da escrita em português têm de ser exercitadas e treinadas tanto quanto necessário. Só assim podem dar origem a conhecimento consolidado e capaz de estabelecer procedimentos cognitivos automatizados de leitura e escrita na mente da criança. Por exemplo, para que, perante uma sequência de letras em que surja a certa altura o conjunto <ss>, a criança não tenha hesitação e automaticamente veja essa sequência como uma unidade gráfica (um grafema complexo) que se lê /s/. Mesmo que isso surja numa palavra desconhecida ou numa palavra inventada.

A única maneira de propiciar o conhecimento do português escrito, quer para a habilidade de leitura, quer para a de escrita, é exercitar as várias especificidades da ortografia portuguesa tendo em conta tanto a escrita de sons consonânticos como de sons vocálicos. 

Exemplos ilustrativos:

    a) exercícios de leitura e de escrita com os grafemas complexos do português. Primeiro os 100% consistentes <nh> e <lh>, depois os consistentes tanto na leitura como na escrita, como o <rr>, e depois os mais complexos, por estarem associados a irregularidades, como o <ss>;
    b) exercícios de leitura e de escrita com palavras reais ou inventadas que envolvam regularidades contextuais associadas à posição na palavra. Primeiro na leitura e depois na escrita. Por a leitura ser mais consistente do que a escrita. Por exemplo, ler o <s> intervocálico, que é sempre lido como /z/, ou o /r/ intervocálico, que é sempre lido como /r/; escrever os fonemas /r/ (simples) ou /rr/ (vibrante) intervocálicos, que são sempre escritos com a letra <r> e com <rr> respetivamente;
    c) exercícios de leitura e, principalmente, de escrita que explicitem regularidades de origem morfológica. Por exemplo, o ditongo nasal /ãw/ escrito com <ão> em nomes acentuados na última sílaba, como “pensão”, mas escritos com <am> na conjugação verbal (e não acentuados na última sílaba), como “(eles) pensam”. Ou casos como a manutenção da vogal da palavra-base nas derivadas  (<o> para /ó/ e /u/ como em “corte”, “cortar”, “cortei”; “dorme”, “dormir”, “dormi”);
    d) exercícios de leitura e, principalmente, de escrita que promovam a familiarização com palavras irregulares através do treino repetido, em contexto significativo e variado, para manter a motivação e o interesse em níveis adequados.

Para ajudar a compor exercícios, pode ser útil consultar os inventários das correspondências grafema-fonema na direção de leitura e na direção de escrita (ver Leitura sugerida).


2. Monitorizar a aquisição progressiva de habilidades de leitura e escrita

A monitorização do progresso pode fazer-se por via de duas atividades:

    a) a leitura em voz alta de listas de palavras;
    b) a escrita por ditado de listas de palavras.

Em ambos os casos, as palavras devem ser escolhidas de acordo com um critério específico, por exemplo, contendo grafemas complexos, ou certos tipos de regularidades.

Os dois tipos de atividade são particularmente adequados porque permitem obter medidas simples: 

    a) a fluência da leitura: quantas palavras lidas corretamente por minuto;
    b) o número e tipo de erros ortográficos.

Estas medidas são fonte de informação para o professor e podem ser fonte de motivação para o aluno. Para ele ver que, com a prática, consegue ler mais palavras por minuto sem erros; e que, também com a prática, consegue estar cada vez mais perto dos 100% correto no ditado.  O feedback a dar ao aluno sobre esta escrita por ditado – para fins de monitorização ou fins formativos – pode ser mais benfazejo se se inverter a escala. Ou seja: em vez de indicar o número de erros, tomar como ponto de partida o 100% correto, se não houver erros, e fazer a proporção relativa, conforme o número de erros. 

Assim, é possível mostrar ao aluno como, com a prática, se foi aproximando da meta; mesmo que tenha começado com, por exemplo, 40% correto para uma determinada lista, chegou aos 70%, ou mais, nessa mesma lista.

É importante encontrar maneira de conseguir progresso e de o documentar junto da criança para que esta receba feedback da sua performance. Nesse sentido, é necessário preparar adequadamente as listas de palavras, começando por focar os aspetos mais simples e gradualmente introduzir complexidades ou aspetos de reconhecida dificuldade. Por exemplo: listas com correspondências fonema-grafema simples, depois com grafemas complexos consistentes, e assim sucessivamente.

Autoria: São Luís Castro          Edição: Andreia Lobo

Publicação: 22.setembro.2020

LEITURAS SUGERIDAS

Gomes, I. (2001). Inventário das correspondências grafemas-fones (direção da leitura) e inventário das correspondências fones-grafemas (direção da escrita) do Português Europeu (Quadros 53 e 55). In Gomes, I. (2001) Ler e escrever em Português Europeu (Vols. 1-2). Dissertação de doutoramento em Psicologia, Universidade do Porto - Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.

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